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Mapa pluri-epistêmico deve nortear a Universidade

Fórum Permanente da Unicamp discutiu justiça epistêmica



Texto: Fernando José Barbosa | Fotos: José Irani  

 

Com intervenções artísticas e manifestações sobre a diversidade da nossa cultura, a Pró-reitoria de Extensão e Cultura (Proec) da Unicamp realizou nesta quinta-feira (15), no Centro de Convenções, o Fórum Permanente: “Por uma Justiça Epistêmica”. O evento foi organizado em conjunto pelos Institutos de Artes (IA) e Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), e pelas Faculdades de Ciências Médicas (FCM) e Educação (FE). A programação incluiu diferentes matrizes de conhecimento, como a indígena e a africana, com objetivo de debater sua inserção no ambiente universitário e avançar na relação com a produção científica.

“Nós iniciamos com dança, porque o assunto é sério. As monoculturas matam. Matam no campo e matam na Universidade. Não queremos suicídio epistêmico na Universidade. Não queremos suicídio na Universidade”, pontuou Rafael Alonso, da FCM, que abriu o evento ao lado do assessor da Proec, Marco Aurélio Cremasco. Para Cremasco, que representou o pró-reitor Fernando Coelho, o evento representa um passo importante na abertura da Universidade para o debate sobre a diversidade epistêmica

Para José Jorge de Carvalho, da Universidade de Brasília (UnB), há necessidade de uma transformação que passe pelo corpo acadêmico e pela criação de “um mapa pluri-epistêmico", que contemple o ensino em diversas matrizes de conhecimento e cultura. “Quando falamos de ‘justiça epistêmica’ creio que estamos a caminho de uma revolução epistêmica. Talvez uma revolução permanente, uma revolução contínua e não uma revolução de uma transformação instantânea”, apontou o professor da UnB. “Não é possível mais ter salas de aula sem alunos negros, sem alunos indígenas, sem alunos brancos, sem alunos pobres e das periferias todas”, ressaltou.

A Ialorixá Adriana de Nanã exemplificou a dificuldade que é transpor o atual modelo epistêmico, ao levar o projeto “Cabaça” para a Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp). “Eu nunca tinha pisado lá [na Unifesp, da Zona Leste], mas eu sabia de toda a luta popular que havia para que aquilo existisse” contou. Para ela, levar o projeto para uma universidade era importante, por entender como de obrigação da universidade pública essa contrapartida. “Sabia que era um curso de extensão? Não fazia a menor ideia. Mas eu sabia que aquele era um projeto de pesquisa, um projeto para pensar uma política de desenvolvimento econômico para as comunidades tradicionais de terreiro”, afirmou. O projeto “Cabaça” está indo para o quarto ano na Unifesp. “Nesse projeto descobri que eu era pesquisadora. Para vocês parece simples, para a gente não é”, relatou a Ialorixá e pesquisadora.

Gina Monge Aguilar, do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, ressaltou a necessidade da Universidade sair do que chama de “miserabilidade” que fecha o ensino no próprio conhecimento e desconsidera ser a riqueza de “compartilhar a grandiosidade do saber de cada um”. “Tomara que esse fórum leve as pessoas a um entendimento de prosperidade e compartilhamento”, disse ela.

A cacique Japira Pataxó, que também é escritora, considerou um avanço essa interação da universidade com as tradições indígenas. “Estamos aqui para

vocês e também considero que vocês tiveram essa capacidade de estar trazendo o nosso lado, de divulgar o meu trabalho, falando para vocês da convivência da gente na nossa aldeia. Agradeço”, disse ela.  “Eu trabalhei muito com nosso povo, que é Pataxó, lá em casa, para poder saber que eu tinha essa capacidade de ser o que eu sou agora”, completou ela.

“Será que a universidade está preparada para nós, para nossa cultura, para nossa religião, para o povo de religião de matriz africana?”, indagou o Babá Moacyr de Xangô. “Se as pessoas não tiverem o conhecimento da nossa cultura, elas não vão nos respeitar e não vão nos entender”, problematizou.

A historiadora, urbanista e mãe de santo, Alessandra Ribeiro, contou sobre a experiência de vivenciar ambos os lados da situação. “É um desafio para quem está aqui na universidade ter acesso a esses saberes tradicionais. Às vezes, só no âmbito da pesquisa, não é suficiente. As nossas referências fazem parte de um recorte que a gente faz para acessar reflexão, ou da influência do nosso orientador”, comenta Ribeiro.

“Temos percebido que a presença das mestras e dos mestres modificam de tal maneira o espaço da sala de aula, que os alunos e as alunas deles entram num processo muito intenso, que a gente chama de ‘engajamento sensível’.O ensino das mestras e dos mestres é sempre amoroso, feito de uma escuta e atenção em tudo oposto a impessoalidade do trabalho do professor”, contribuiu Cesar Guimarães, professor de filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Participaram ainda dos debates o dramaturgo britânico e arte educador Daniel Baron Cohen; a pajé Antônia Brás Santana; o mestre de capoeira do Centro Cultural Crispim Menino Levado, Marquinhos Simplício, além de docentes e pesquisadores da Unicamp.

A programação que teve apresentação do vídeo “Formação Transversal em Saberes Tradicionais” e intervenções artísticas de Luiz Antônio Nascimento Cardoso, o mestre de capoeira Pinguim da Bahia; e da professora Gina Monge Aguilar. 

O próximo Fórum Permanente acontecerá no dia 4 de agosto e terá como tema “Saúde da população negra e LGBTQIA +: o desafio da inclusão”.